Processo de interdição: quais são os deveres de um curador?

O processo de interdição, regido pelos artigos 747 e seguintes, do Código de Processo Civil, bem como observados os termos do artigo 1.767, do Código Civil, é um procedimento de ação voluntária (ou seja, não envolve um litígio, em si), pelo qual se pretende fazer com que um determinado indivíduo seja considerado inapto para exercer os atos da vida civil de forma individual. 

A pessoa que será alvo da ação de interdição, em regra não possui o discernimento necessário para praticar plenamente os atos cotidianos da vida civil e, consequentemente, não está em condição de compreender as consequências desses atos.

Estarão sujeitos à curatela, nos termos do artigo 1.767, do Código Civil, (i) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua própria vontade; (ii) os ébrios e/ou viciados em substâncias tóxicas; e (iii) os pródigos.

Para tanto, será necessário anexar aos autos laudos médicos que corroborem a instabilidade na saúde do curatelado, bem como este será submetido a perícia técnica para avaliar as condições de vida nas quais se encontra, tomando por base o princípio da dignidade da pessoa humana. Vale mencionar, ainda, que o curatelado será citado para que o juiz forme o convencimento necessário ao julgamento da causa.

Em geral, tem legitimidade para propor a ação de interdição (i) o cônjuge ou companheiro; (ii) parentes ou tutores; (iii) o representante da entidade na qual esteja abrigada a pessoa; e (iv) o Ministério Público.

Ainda, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária que versa sobre capacidade postulatória de indivíduo perante a vida civil, é obrigatória a intervenção do Ministério Público, nos termos do inciso II, do artigo 178, do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, de forma a garantir honestidade e transparência nesse processo, bem como visando que a pessoa alvo do processo de interdição não fique desamparada, a ela será designado curador, sendo que pode ser nomeada curadora a pessoa que promoveu a ação de interdição, ou até mesmo um membro da defensoria pública que pode ser nomeado pelo juiz (curador dativo). 

Ainda, em casos em que se trate de interditado portador de deficiência, é possível que o juiz nomeie como curador mais de uma pessoa, conforme entender mais acertado, dadas as condições da situação, isto nos termos do artigo 1.775-A, do Código Civil.

Primeiramente, há a fixação da curatela provisória, a qual ocorre antes da prolação da sentença. Com a decisão final do processo, é fixada a curatela definitiva, bem como são fixadas as obrigações do curador para com a administração do patrimônio do então interditado.

Como acontece o processo de interdição

Aqui, importante frisar que o juiz, em sentença, deverá, primeiramente, fixar o curador permanente do interditado, bem como fixará os limites da curatela – caso seja compreendido que o interditado possui capacidade de realizar alguns atos da vida civil por própria conta, a curatela não alcançará estes mesmos atos, mas tão somente aqueles que o interditado não possa exercer sozinho. 

Além disso, a sentença deverá ser registrada sob o cartório de registros naturais, bem como sendo publicada tanto em meio digital, como em jornal de grande circulação local. Estas etapas, por si sós, são ônus do curador. 

Ainda, se o interditado possuir patrimônio, e caso o Ministério Público opine pela necessidade de prestação de caução, por parte do curador, este deverá fazê-lo se a obrigatoriedade for reconhecida em sentença. A prestação de caução, por sua vez, poderá ser dispensada caso seja do entendimento do juízo e do Ministério Público.

Como um curador faz sua prestação de contas

Após a fixação da curatela definitiva, é consequência lógica e de direito que o curador passará a ser responsável pela administração e gestão dos bens do curatelado, de forma que terá legitimidade jurídica para cuidar da melhor forma da pessoa sob sua guarda. Para tanto, será necessário prestar contas, ao juízo da interdição, sobre a evolução do patrimônio do interditado.

A principal obrigação do curador se refere a prestação de contas desse patrimônio, o qual não é de propriedade do curador, de forma que deverá ser consumido com a finalidade única de garantir a subsistência do interditado, envolvendo gastos cotidianos, como mercado, lazer, vestimentas, medicamentos, tratamentos que possibilitem a ele recobrar sua capacidade civil (se a possibilidade for constatada), entre outros.

A sentença que fixa a curatela indicará qual a periodicidade em que a prestação de contas deverá ocorrer, sendo que, em geral, devem ser apresentados os gastos e recebimentos do interditado de forma anual, ou a cada dois anos, sempre apensados aos autos da interdição, nos termos do artigo 553, do Código de Processo Civil

Na prestação de contas, será necessário indicar, em uma planilha de gastos cronologicamente ordenada, cada um dos gastos efetuados com o patrimônio do interditado. Para isso, deve-se apresentar documentos aptos a comprovar todo e qualquer gasto que houver sido feito com o patrimônio do interditado. 

Os documentos que podem comprovar a procedência desses gastos são: 

▸ Notas Fiscais, em caso de o favorecido ser pessoa jurídica; 

▸ Boletos, desde que acompanhados das referidas Notas Fiscais, ou comprovantes de pagamento; 

▸ Faturas de contas de água, gás e energia elétrica; 

▸ Faturas de todas as contas e cartões de crédito que estiverem sendo usadas para gerir o patrimônio do interditado; 

▸ Extratos bancários de todas as contas bancárias que estejam sendo utilizadas para gerir o patrimônio do interditado;

▸ Cópias das declarações de Imposto de Renda; 

▸ Holerites de recebimento de salário e eventuais benefícios de aposentadoria;

▸ Recibos, assinados pelo favorecido pessoa física, que contenham informações como nome completo de quem pagou, e quem recebeu, RG, CPF, endereço, telefone, valor recebido, data, e razão pela qual recebeu os valores.

    Importante frisar que, numa prestação de contas, não serão considerados como comprovantes das despesas documentos como: 

    ▸ Orçamentos;

    ▸ E-mails com pedidos de compras feitas on-line; 

    ▸ Faturas de cartão de crédito que venham desacompanhadas dos referidos comprovantes dos gastos;

    ▸ Boletos bancários, ou outros títulos de crédito, que não contenham a autenticação mecânica da instituição bancária correspondente;

    ▸ Comprovantes de transferência de valores sem o cupom, nota fiscal, ou recibo correspondentes;

    ▸ Comprovantes de compra a crédito, sem os comprovantes correspondentes;

    ▸ Comprovantes de depósito em envelope, junto a caixas eletrônicos, sem os comprovantes correspondentes;

    ▸ Recibos que estejam ilegíveis, rasurados, ou que não contenham as informações necessárias à identificação do gasto e do favorecido;

    ▸ Documentos que tratem de eventuais repasses a terceiros, que não tenham sido autorizados pelo juízo previamente; e

    ▸ Quaisquer outros documentos que impossibilitem a identificação de que a despesa foi, de fato, para com os interesses do curatelado.

    Poderá ser solicitado pelo juízo, ainda, a apresentação do rol de bens em nome do curatelado, bem como certidão de veículos e imóveis.

    Caso reste comprovado que, por culpa ou dolo, o curador tenha causado prejuízos ao interditado, este responderá pessoalmente por esta perda, mas também terá o direito de ser ressarcido por todos aqueles gastos que fizer comprovar que teve, pessoalmente, com a subsistência do interditado, e poderá requerer ao juízo uma remuneração por exercer a curatela.

    O que um curador não pode fazer

    É expressamente vedado ao curador: 

    ▸ adquirir empréstimos pessoais em nome do interditado; 

    ▸ efetuar compras e vendas de imóveis sem autorização do juízo; 

    ▸ dispor dos bens do curatelado a título gratuito (doação, por exemplo); 

    ▸ realizar cessão de créditos ou direitos contra os interesses do curatelado; e 

    ▸ contrair dívidas em nome da pessoa interditada. 

    O curador depende de expressa autorização judicial para promover os seguintes atos em nome do curatelado:

    ▸ Pagar dívidas do interditado que não sejam aquelas cotidianas (como compras em mercado e pagamento de contas de energia elétrica), ou seja, caso o curatelado, antes da interdição, tenha adquirido uma dívida, o curador dependerá de autorização do juízo para efetuar a quitação;

    ▸ Aceitar heranças, legados ou doações;

    ▸ Transigir ou realizar acordos;

    ▸ Vender os bens móveis, caso não haja interesse na conservação deles;

    ▸ Vender os bens imóveis, caso haja manifesta vantagem ao curatelado;

    ▸ Propor ações que se façam necessárias à defesa dos direitos e interesses do interditado, bem como promover toda e qualquer diligência que se faça necessária à obtenção do êxito nestas demandas; e

    ▸ Defender os interesses do curatelado nas ações que contra ele possam estar sendo movidas, ou que possam vir a ser propostas.

    Como e por que substituir ou remover um curador

    O curador poderá, ainda, requerer que seja substituído em suas funções por outra pessoa, sendo que este requerimento também poderá ser realizado por outra pessoa com legitimidade para tanto, no curso do processo de interdição.

    A substituição poderá ocorrer em casos de morte do curador, acometimento por doença grave, alteração de domicílio, entre outras razões.

    A remoção do curador, por sua vez, se dará em ação autônoma, apensada aos autos da interdição, e poderá ser feita a requerimento do ente ministerial, nos termos do artigo 761, do Código de Processo Civil, ou por aquele que tem legitimidade para tanto, conforme disposição do artigo 747, do Código de Processo Civil.

    Importante informar que, para a remoção do curador, deverá ser apresentada prova forte do suficiente, sobre a falta de zelo e/ou a má administração do patrimônio do interditado, que possa formar convicção do juízo sobre a necessidade de remover o então curador, e substituí-lo por outro, se o caso de a razão da interdição ainda persistir. 

    Considerações finais

    Ser curador de alguém é um ato de extrema responsabilidade, o qual deve ser tomado com plena ciência sobre as obrigações do curador para com o patrimônio do interditado, bem como com a sua integridade física e mental.

    Dessa forma, exercer a curatela é, acima de tudo, uma atitude que deve ser tomada muito conscientemente, devendo o curador manter organizados todos e quaisquer documentos atinentes à vida do curatelado até o fim da relação – seja pelo levantamento da curatela, pela sua remoção, enquanto curador, ou pela morte do interditado. 

    Entendendo não ser um caminho fácil a ser percorrido nem por curador, e tampouco pelo interditado, é primordial que seja traçada a melhor estratégia para que sejam garantidos o respeito e a honestidade para com o sustento de uma pessoa em estado de vulnerabilidade. 

    Assim, resiliência, paciência e organização são qualidades inerentes ao curador que devem, sempre, estar alinhadas com uma expertise e inteligência jurídica aptas a proporcionar o melhor cenário possível para todas as partes envolvidas.


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